Ensino privado agoniza sem socorro
O Colégio Bennett anunciou que vai fechar as portas. Uma das escolas mais tradicionais do Rio de Janeiro, com mais de um século de história, não suportou o impacto da pandemia. O caso não é uma exceção. A verdade é que a educação privada vive um momento preocupante. A pandemia impôs a paralisação de creches, escolas e faculdades. Muitas instituições buscaram se adaptar, oferecendo aulas on-line. Entretanto, a crise econômica fez explodir a inadimplência e evasão, com um crescimento de 60%. Somente no ensino superior, a Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) estima que uma em cada cinco instituições privadas não deve reabrir as portas como consequência da crise provocada pelo coronavírus.
Muitas faculdades não conseguiram montar as turmas de segundo semestre. Sem alunos, não há receitas, e fica impossível fechar a conta no fim do mês. As perspectivas não são animadoras. O setor vem tentando negociar com o governo um projeto de lei que dê um certo respiro, fazendo o diferimento do pagamento de impostos da segunda metade do ano. Mas o diálogo não tem sido produtivo. A impressão é que se ignora a função social e econômica de um setor que emprega 1,7 milhão de pessoas, atende mais de 15 milhões de alunos e desonera o poder público em R$ 225 bilhões. Só isso para explicar o fato de o governo estabelecer linhas de crédito para diversos setores, mas não abranger escolas e faculdades.
O setor ficou ainda mais pressionado quando decisões de assembleias estaduais de todo o país, extrapolando suas esferas de atuação, impuseram, inconstitucionalmente, a redução das mensalidades. Porém, o cenário pode piorar ainda mais se não houver mudanças nas propostas de reforma tributária que estão em discussão. Pois, infelizmente, uma semelhança entre as três propostas apresentadas até o momento é que todas vão penalizar a Educação e a Saúde. Justamente dois setores que aliam alto valor social à importância econômica.
Soa até como fake news, mas todos os projetos de reforma tributária são igualmente danosos. Se não houver alterações, a proposta de unificação de PIS e Cofins sob alíquota única de 12% vai resultar no fechamento de muitas instituições, pois não terão condições de operar com o prejuízo provocado pela elevação da carga tributária. O principal prejudicado será o estudante. No caso da educação básica, estados e municípios serão pressionados a absorver a nova demanda. No entanto, do ponto de vista da educação superior, será mais difícil para o governo federal atender à parcela que não terá mais na rede privada uma alternativa para continuar os estudos. A estimativa é de que, no mínimo, 30% das 2.232 instituições de ensino superior fechem as portas.
O mais preocupante é ouvir que a unificação dos impostos vai desonerar os setores da economia, pois terão a oportunidade de abater os gastos com insumos. Mas, na educação, pessoas são a maior parcela dos custos. E as propostas de reforma tributária não levam isso em consideração. O que significa dizer que a reforma vai penalizar os setores que mais empregam e valorizar aqueles com menor empregabilidade, mas com alto consumo de insumos. Parece mentira, mas todas as propostas induzem à redução de investimentos na educação e, por consequência, a uma estagnação de um setor responsável por arrecadar cerca de R$ 21 bilhões em impostos.
A elevação dos impostos também expressa uma falta de visão do futuro. O desinvestimento em educação vai condenar o Brasil a continuar no atraso. Atualmente, já sofremos com a falta de mão de obra qualificada em vários setores. E isso não será superado sem investimentos em educação. O abismo da falta de acesso já é enorme. Enquanto a Coreia do Sul tem 70% da população com o ensino superior, aqui essa taxa é de apenas 19%. Não há como mudar esse cenário com instituições fechando e redução de oferta de vagas.
O que veremos nos próximos meses é cada vez mais pessoas compartilhando um sentimento de nostalgia e tristeza a cada nova escola ou faculdade que fechar. Serão décadas, talvez séculos, que ficarão no passado e se tornarão lembranças na memória de ex-alunos. O fechamento do Colégio Bennett, que também era de educação superior, é emblemático do que vimos vivendo: escolas fechadas, praias abertas, assembleias legislativas reduzindo mensalidades e impondo mais despesas. Pobres de nós. Pobre Brasil!
Elizabeth Guedes é presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares
Fonte: O Globo.